terça-feira, 17 de novembro de 2009

o perdão


Era uma pessoa de boa índole, todos da pequena cidade gostavam dele, casado, sem filhos, era um dos doze filhos da minha avó materna.
Comerciante, comprava gado para corte (abate), nesse tempo não existiam bancos nas cidades pequenas, o dinheiro era guardado embaixo do colchão. Ele tinha comprado um lote de garrotes e marcou para se encontrar com um fazendeiro em uma vendinha onde costumava ir prosear e tomar algum aperitivo antes do almoço.
Na cidade todos se conheciam e eram amigos, o amigo mais perto do meu tio era o seu compadre, tinha batizado o seu filho, ele confiava nele ao ponto de saber tudo sobre a sua vida, inclusive os seus negócios.
No dia do acerto do pagamento, o meu tio o encontrou no começo da rua que estava deserta naquela hora. Ele tentou convencer o meu tio de ir por outra rua que era mais perto e mais deserta ainda, como o meu tio não aceitou o convite e já estava na metade do caminho, ele pediu ao meu que tio esperasse que ele iria em casa pois tinha esquecido algo e voltaria em seguida.
De supresa ele apareceu portando uma espingarda, meu tio ficou assustado devido ao seu semblante completamente modificado, ele atirou mais a espingarda não disparou! Quando meu tio viu a intenção dele, para defender-se tentou arrancar as estacas de uma cerca nova e não conseguiu, os grampos que prendiam o arame farpado à cerca, não soltavam, ele via que não conseguia e tentou fugir pedindo socorro, ele continuava a disparar a arma, vendo que a mesma negava fogo, aproximou-se do meu tio, onde com uma faca em punho o golpeou.
Meu tio mesmo ferido conseguiu chegar a vendinha, onde caiu! O assassino tentou fugir, mas o pegaram!

Foi uma comoção só! Uma cidade tão tranquila, ficou bastante abalada, com um crime tão barbaro e covarde!
Ele o assassino, sempre que estava em apuros, o meu tio o ajudava, eram como irmãos.
A cidade não tinha meio de socorrê-lo, ele precisava ser operado com urgência, depois de muito procurar, arranjaram transporte para a capital, onde foi operado mais não sobreviveu.

Meus tios, claro, ficaram querendo vingar a morte do irmão. O delegado amigo da família propôs "esquecer" aberta a porta de onde ele estava recolhido.
A minha avó veio saber os boatos que corriam de boca em boca na cidade, ela chamou o filho encarregado de vingar o irmão e disse: "Me mate primeiro, eu não crie vocês para se tornarem assassinos, sempre demos bons exemplos, e os criei com dificuldade para ver tudo por terra, não meu filho, não é assim que se resolve as coisas, para isso existe a justiça dos homens e a de Deus."

Parece que a estou vendo, fazendo o seu crochê, sentada a soleira da porta da cozinha ou lendo um livro, era o seu passatempo predileto, e não prestando atenção ao convite da minha tia para almoçar, principalmente se estivesse lendo, eu sei o que é isso, quando ia resolver qualquer assunto colocava o chale ao redor do pescoço, calçava os sapatos, não adiantava as filhas perguntarem aonde ia, fazia que não estava ouvindo, foi assim no dia que foi falar com o rapaz que tirou a vida do seu filho. Quando ele a avistou baixou os olhos e ela disse:"Não tenha medo eu vim trazer o meu perdão pelo seu ato impensado, você meu filho foi vítima da cobiça." Ele se ajoelhou, beijou as suas mãos e ambos choraram e disse mais: "Tenho certeza, que meu filho onde estiver o perdoou."
Voltou para casa e não falou nada, o delegado viu tudo e contou aos filhos o que sucedeu, ele estava vigiando-a para não acontecer nada a ela.
Com seis meses de prisão os seus cabelos embranqueceram, e na loucura do remorso ele gritava o nome do meu tio, um ano depois ele morreu.

"Mãe Quininha eu não gosto de escrever coisas tristes, mais não poderia deixar aqui o meu respeito, por tudo o que a senhora representou para nós os seus netos, os seus conselhos, só visando o nosso bem, a sua paciência, dedicação, e o seu grande amor a todas as criaturas, depois que fiquei sabendo do seu ato de perdão e de amor, eu que já a amava, aumentou em mim a minha admiração e respeito por uma criatura tão frágil, mais forte na hora que era preciso, fica em paz minha avó, que Deus a tenha."

4 comentários:

Vanuza Pantaleão disse...

Ah, como é bom saber perdoar... Temos muito a aprender!!!
Bom domingo!!!

gregus disse...

Muito bonita essa história, muito difícil mesmo de encontrar alguém com essa capacidade de perdoar.

estou sempre por aqui no seu blog,

um grande beijo!

Vanuza Pantaleão disse...

Celina, bom dia!
Bom dia de verdade e de coração!
Puxa, você me deixa vaidosa no bom sentido ao dizer que está sempre no meu blog. Mas quer saber mesmo? Eu é quem deveria estar sempre aqui e aprendendo contigo.
Não sou perfeita, amiga, aliás estou muito distante disso. Porém, sei que tenho uma qualidade: não sou falsa comigo mesma, não falsei com o meu próximo. Se não posso ajudar, não vou prejudicar.
Escreves muito bem!!!
Te adoro!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Outra qualidade sua:
És pernambucana, terra do meu saudoso pai. Ai, que saudade do meu Nordeste!!!